Análise da dinâmica de um grupo de adultos em processo de RVCC de nível secundário - Por Cláudia Simões - Profissional de RVC


O presente artigo é decorrente de um trabalho de projecto defendido na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, no âmbito de um mestrado em Ciências da Educação, área de especialização em Formação de Adultos.


Desenvolveu-se em torno de um tema que se tem constituído nos últimos tempos como uma prioridade política no campo da educação e formação de adultos, não só no nosso país, como também em toda a Europa: o reconhecimento, validação e certificação de competências.


Sendo um trabalho de projecto, assente entre a acção e a reflexão crítica, pretendeu-se acompanhar e explicitar a dinâmica de funcionamento do primeiro grupo de quinze adultos em processo de Reconhecimento Validação e Certificação de Competências (RVCC) de nível secundário no Centro Novas Oportunidades (CNO) da Escola Secundária Camilo Castelo Branco.


Procurou-se então caracterizar o CNO, a população abrangida, o grupo de adultos em questão, bem como as sessões que tiveram lugar até ao momento do júri de certificação. Com base nas dúvidas e incertezas que a equipa técnico-pedagógica tinha, levantadas nas reuniões semanais ou noutros momentos de partilha mais informais, procurou-se dar-lhes resposta, introduzindo as adaptações, em termos metodológicos, que ao longo do tempo foram parecendo mais pertinentes.


No presente artigo, propõe-se explorar alguns dos constrangimentos identificados, pois, apesar de se considerar que a equipa tem vindo a superá-los na sua generalidade, se constituem sempre como questões de reflexão a ter em conta.


O primeiro diz respeito à sobrevalorização da escrita em detrimento da oralidade, presente neste tipo de processos de reconhecimento de adquiridos. Sentimos que para alguns adultos que apresentam maiores dificuldades ao nível da comunicação escrita, apesar de poderem ser detentores de uma vasta experiência de vida e de aprendizagens daí decorrentes (em contextos formais, não-formais e informais), a elaboração do Portefólio Reflexivo de Aprendizagens (PRA) torna-se também muito mais dificultada.Tendo por referência essa fragilidade, pode colocar-se a seguinte questão: Será este um constrangimento implícito no próprio processo RVCC, ou poder-se-iam evidenciar competências por outras vias que não a escrita?


Outra das dificuldades com que a equipa se tem deparado e que se tem constituído como uma das questões mais sujeitas a reflexão reporta-se à articulação entre, por um lado, o acompanhamento individualizado que cada adulto necessita para o reconhecimento das suas aprendizagens e competências detidas e, por outro, as metas quantitativas a cumprir pelo CNO.


Sabe-se que há adultos pouco escolarizados que subestimam as suas capacidades e conhecimentos, pelo que o contacto e o acompanhamento personalizado com os elementos das equipas, se torna fundamental para que esta auto-percepção negativa se altere e para que, dessa forma, consigam enriquecer o seu PRA.


Consideramos estar a desenvolver um trabalho que tenta dar resposta a estas duas vertentes, o acompanhamento individual, por um lado, e o número de certificações emitidas, por outro. Contudo, parece-nos que essa difícil articulação constituir-se-á sempre como uma limitação a ter em conta.


Ao longo do tempo, fomos tentando superar as dificuldades expostas, valorizando o que nos parece mais importante, que se prende com o envolvimento e implicação do adulto num processo de reflexão e reconhecimento das suas próprias capacidades e potencialidades, promovendo necessariamente a sua auto-estima.


Consideramos desempenhar um papel preponderante ao nível não só da motivação dos candidatos em processo para reflectirem sobre o seu percurso de vida, como também para prospectivarem o futuro.


Ao terminarem o processo, com efeito, regra geral os adultos apresentam uma forte motivação para planificarem, de uma forma mais consciente, o seu percurso (de formação ou não) a curto, médio ou longo prazo. A nossa prática diária e o retorno por parte dos candidatos confirmam-no.


Termina-se com o testemunho de um dos adultos que fez parte desse primeiro grupo de nível secundário, recolhido no questionário de avaliação final, que ilustra bem as implicações do processo em termos de valorização pessoal e de perspectivas futuras:


"O processo de RVCC em que participei foi muito bom, despertou em mim vivências adormecidas ou desconhecidas que eu próprio não dava importância e que afinal têm muita. Vou aproveitar a rampa de lançamento que é as Novas Oportunidades para fazer algo de novo e bom para a minha vida..."


Cláudia Simões

O Significado do Processo RVCC por Adultos do CNO

“Significou muito. Em termos pessoais, uma valorização muito grande; bastante conhecimento também. Acho que foi uma aprendizagem muito grande. Um dia mais tarde vou tirar o 12º ano”


Eulália Benedito




“Foi uma meta que me impus a mim própria, não só por mim, mas também pelas minhas filhas. Nunca dei valor a ter um curso, mas quando elas nasceram passei a dar. Comecei a dar mais valor às coisas, cresci um bocadinho. O processo superou as expectativas, foi delicioso, o facto de estar a trabalhar, completamente envolvida. Estou decidida a não parar por aqui. Quero tirar uma licenciatura em jornalismo, belas artes ou decoração, nem que seja só pelo gosto de estar a estudar novamente”


Margarida Almeida




“As Novas Oportunidades, como o nome indica, deram-me a oportunidade de concluir o 12º ano, é claro que foi muito bom, há muito tempo que queria terminar o secundário e seguir os estudos, mas, como o meu tempo está completamente preenchido, as Novas Oportunidades vieram preencher o vazio que em mim estava instalado.


Prometo dar continuidade a esta oportunidade!


Muito obrigado a todos os que me ajudaram”


João Lima




“Ao iniciar este projecto, o objectivo foi sempre chegar ao fim com sucesso. Estava plenamente consciente de que esta tarefa não iria ser de modo algum fácil.


No decorrer do processo, consubstanciei alguns dos conhecimentos vividos nalgum momento da minha vida, e outros que me permitiram de alguma forma pesquisar, desenvolver e aprofundar alguns temas para os quais não estava devidamente esclarecido.


Fazendo uma análise em termos gerais, creio que a maior dificuldade sentida foi essencialmente a falta de tempo. Para além da actividade profissional, vida familiar e o meu envolvimento com outros compromissos foram condicionantes na realização de algumas tarefas, mas para ultrapassar esses obstáculos contei sempre com o apoio incondicional das formadoras. O meu muito obrigado”


Carlos Pereira




“Foi muito importante, e uma motivação grande, porque estava desempregada e um pouco desmotivada. Aprendi imenso. Até fiz coisas que eu achava que não era capaz… e consegui!”


Maria de Lurdes Pinto



“Voltar à escola despertou o que estava há muito adormecido. Rejuvenesci, senti-me muito mais leve. Aprendi muito e gostei muito da camaradagem”


Conceição Gomes



"O que julgo poder transcrever deste pequeno portefólio da minha vida que hoje apresento no âmbito do processo RVCC é que ele é, em primeiro lugar, o reflexo de toda a minha forma de ser e estar na vida. Isto significa, primeiramente, que este pequeno "livro" é constituído por um conjunto de declarações, informações e emoções do principio ao fim. O que não quer naturalmente dizer que entre toda esta informação não exista uma convergência: posso mesmo legitimamente afirmar que este conjunto de textos apresenta uma verdadeira identidade na percepção de quem o possa "avaliar"; creio que este termo, esta metáfora, se impõe mediante o projecto solicitado. Decerto, não cessei de reagir, ao longo deste trabalho, a importância que poderia ter este pequeno relato contado, apercebendo-me no decorrer desta corrente emergente de palavras e frases mais ou menos bem construídas, que no final, encontrei-me comigo mesmo, comecei a poucas linhas do final desta obra a compreender melhor com que fundamento nós, os Homens, percorremos de maneiras diferentes o caminho delineado pelo Grande Arquiteto do Universo"


Ricardo Santos



“O RVCC Secundário está a ser para mim uma libertação intelectual, pois estava preso àquilo que penso saber, o que sei aprendi durante toda a vida formal e informalmente, o que sei apenas sei para mim mesmo, se falo com alguém daquilo que julgo saber, acontece que imediatamente ele supõe saber do assunto melhor que eu, e sou obrigado a regressar a mim mesmo com o meu saber, o que sei bem sei-o apenas para mim, uma palavra pronunciada por outro raramente constitui um estimulo, na maior parte das vezes suscita contradição e indiferença. E neste processo encontrei alguém “Formadores” que pontualmente lhes sabem dar um nome a tudo o que fui aprendendo “Reconhecimento Validação e Certificação de Competências”.


Mário Santos



A oportunidade de adquirir maior qualificação escolar, de modo a ter outras perspectivas profissionais que a frequência deste processo possa abrir-nos novos horizontes um pouco mais vastos ter como ambição chegar mais longe (...). Dificuldades todos sentimos uns mais outros menos, no entanto com a explicação que fomos obtendo dos nossos formadores e da profissional de RVC, penso termos conseguido um bom desempenho”


Grupo Ba17 – Aquilo que Somos



“Foi muito bom, em termos de certificação, aprendizagem e conhecimento de outras pessoas, formadores e colegas”


Ana Isabel Ribeiro




O Processo RVCC - Por Adelaide Abreu - Formadora de CLC

“Tenho de afirmar que foi um desafio e que algumas vezes me senti incapaz ou confusa. No entanto uma chamada telefónica para a minha coordenadora de RVCC ou um e-mail para qualquer das minhas formadoras, tinha em mim o efeito de um antipirético numa pessoa com febre. Desapareciam as dúvidas e lá continuava ainda mais entusiasmo.


Consultei muitas vezes a internet, li revistas, consultei livros sobre os assuntos sobre os quais eu me estava a propor falar, recuperei memórias há muito esquecidas.


Li e reli vezes sem conta esta minha autobiografia, aumentando-a de cada vez que lia, pois as memórias vinham a cada leitura, e estou certa de que se voltar a fazê-la nuns anos próximos muito mais escreverei sobre a minha autobiografia reflexiva de aprendizagem. “ (Formanda de nível Secundário)




Este depoimento, a par de tantos outros que foram marcando o meu percurso como formadora de CLC, vão dando sentido à minha acção diária como à de toda a equipa de profissionais e formadores que se empenham com entusiasmo, afecto e profissionalismo em despertarem os formandos para o valor e significado das suas vivências experienciais, tão diversas e por isso mesmo tão enriquecedoras.



É gratificante acompanhar o percurso feito pelo adulto desde que entra no processo até ao seu culminar na sessão formal de júri onde obtém o seu certificado de competências. É muito significativo o número de pessoas que iniciam o processo com muitas dúvidas e falta de confiança acerca da sua capacidade para o fazer, considerando que não têm conhecimentos nem experiências que possam validar as competências-chave contempladas num referencial muito abrangente. São pessoas que foram excluídas de um percurso de formação inicial adequado e que agora pretendem que lhes seja dada a oportunidade de recuperar tempo perdido mas ganho em termos experienciais.


A equipa técnica (profissional e formadores) que acompanha o adulto tem um papel fundamental na (re)construção contínua junto deste de processos de auto-estima, de motivação e de auto-reflexão. Ao sentir, pensar, reflectir e actuar, o adulto é o centro e agente do seu processo de auto-descoberta, através de uma metodologia de narrativa autobiográfica que implica uma constante introspecção crítica e analítica, o que confere a este processo uma dimensão estruturante e humanista.


Gradualmente, os adultos tomam consciência que o que foram aprendendo ao longo da sua vida, em contextos informais e não-formais de aprendizagem, nas suas relações pessoais, sociais e profissionais, é valorizado, reconhecido e certificado num quadro de competências-chave para uma efectiva integração na sociedade, enquanto cidadãos de pleno direito, num mercado de trabalho cada vez mais exigente e instável.


O processo de reconhecimento de competências é complexo, difícil e exige, da parte da equipa técnica, a triangulação de informação através da conjugação de diversas fontes, instrumentos e coesão de práticas dentro da própria equipa. Constantemente, vão sendo repensadas dinâmicas de regulação do processo de modo a que a desocultação e reconhecimento de competências seja o mais eficaz possível, dentro de um padrão de qualidade.


Como em qualquer processo dinâmico e bilateral, há ganhos de ambos os lados. Da parte da equipa técnica, que trabalha directamente com os adultos, há um enriquecimento constante decorrente do percurso singular de cada adulto; da parte do adulto, é evidente, no final do processo, a motivação e interesse em continuar a valorizar-se e a aprender ao longo da vida. As capacidades de auto-reflexão e auto-avaliação são recursos essenciais à aquisição de novas competências e à gestão de desafios que possam surgir ao longo do seu percurso.


“Tenho de afirmar que foi um desafio”, diz a formanda.


Continua a ser um desafio, digo eu, enquanto formadora de RVCC.



Adelaide Abreu